Anarquimo

sexta-feira, 11 de dezembro de 2009

Políticas Públicas LegislaçãoFederal Edição 004 | Outubro/Novembro 2009 Roseli Fischmann: "Escola pública não é lugar de religião"



Acordo aprovado no Senado, que estabelece obrigatoriedade do ensino religioso na rede pública, fere a Constituição Federal

Foi aprovado pelo Senado brasileiro na última quarta-feira, 7 de outubro, o acordo firmado pelo presidente Luís Inácio Lula da Silva e a Santa Sé, em novembro do ano passado, que estabelece a obrigatoriedade do oferecimento de ensino religioso pelas escolas públicas brasileiras. Diz o parágrafo 1 do Artigo 11: "O ensino religioso, católico e de outras confissões religiosas, de matrícula facultativa, constitui disciplina dos horários normais das escolas públicas de ensino fundamental, assegurado o respeito à diversidade cultural religiosa do Brasil, em conformidade com a Constituição e as outras leis vigentes, sem qualquer forma de discriminação."

"Se essa lei for sancionada pelo presidente, nossa constituição será violada", afirma a professora Roseli Fischmann, da Faculdade de Educação da Universidade de São Paulo (USP) e da Universidade Metodista, de São Bernardo do Campo, na região metropolitana da capital paulista. Perita da Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco) para a Coalizão de Cidades contra o Racismo e a Discriminação, responsável pelo capítulo sobre pluralidade cultural dos Parâmetros Curriculares Nacionais (PCNs), coordenadora do grupo de pesquisa Discriminação, Preconceito e Estigma, vinculado à USP, e do Núcleo de Educação em Direitos Humanos, da Universidade Metodista e autora do livro Ensino Religioso em Escolas Públicas: Impactos sobre o Estado Laico, Roseli critica o acordo e fala, nesta entrevista a NOVA ESCOLA GESTÃO ESCOLAR, sobre as diversas e sempre irregulares maneiras de manifestação religiosa no cotidiano escolar.

O acordo assinado pelo presidente Lula com o Vaticano em 2008, que estipula a obrigatoriedade do ensino religioso nas escolas públicas, foi aprovado pelo Senado. E agora?

ROSELI FISCHMANN
É importante ressaltar que o documento assinado pelo presidente da República prevê vários privilégios para a Igreja Católica: benefícios adicionais em termos de verbas públicas e ações com impacto sobre a cidadania, como a supressão de direitos trabalhistas para sacerdotes ou religiosos católicos, e a inclusão de espaços para templos católicos em planejamentos urbanos. Nesta entrevista, nos interessa o artigo sobre a obrigatoriedade “do ensino religioso católico e de outras confissões religiosas”, como está no texto. Mesmo fazendo menção a outras crenças, o acordo manifesta uma clara preferência por uma religião, o que obriga as escolas a adotar uma determinada confissão, e isso é inconstitucional. O Ministério das Relações Exteriores defende a iniciativa dizendo que não há problema, já que ela apenas reúne aquilo que já existe. Mas isso não é verdade.



Esse artigo poderia ter sido corrigido pelos parlamentares?

ROSELI
Eles poderiam ter rejeitado o acordo. Quaisquer propostas de ressalvas precisariam ser revistas pelo Executivo e, como o documento tem caráter internacional e bilateral, nada poderia ser mudado sem a concordância do Vaticano. Ou seja, ficamos amarrados, o que caracteriza uma perigosa interferência no processo legislativo.



Com o acordo em vigor, o que pode acontecer nas escolas?

ROSELI
Em relação ao ensino religioso em escolas públicas, será instalada uma mixórdia que abre a possibilidade de interpretações discordantes. Ainda que mencionado o caráter facultativo para o aluno, está criada uma obrigatoriedade do ensino católico, o que não existe nem na Constituição nem na LDB. E a nossa Constituição está sendo violada.



Por que misturar escola com religião é ilegal?

ROSELI No artigo 19 da Constituição, há dois incisos claros. O primeiro afirma ser vedado à União, aos estados, aos municípios e ao Distrito Federal “estabelecer cultos religiosos ou igrejas, subvencioná-los, embaraçar-lhes o funcionamento ou manter com eles ou seus representantes relações de dependência ou aliança, ressalvada, na forma da lei, a colaboração de interesse público”. O outro proíbe “criar distinções entre brasileiros ou preferências entre si”. Ambos são os responsáveis pela definição do Estado laico, deixando-o imparcial e evitando privilegiar uma ou outra religião, para que não haja diferenças entre os brasileiros. Ora, se o Estado é laico, a escola pública – que é parte desse Estado – também deve sê-lo.



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