A Federação Anarquista do Rio de Janeiro (FARJ) é uma organização  específica anarquista da cidade do Rio de Janeiro, Brasil. Fundada no  dia 30 de agosto de 2003, a FARJ identifica suas origens na atuação de  militantes como Ideal Peres (1925-1995), seu pai Juan Perez Bouzas (ou  João Peres) (1899-1958), José Oiticica (1882-1957) entre outros. Também  possui referências nas organizações políticas como a Aliança Anarquista,  fundada em 1918, e o Partido Comunista libertário, fundado em 1919 (não  confundir com o Partido Comunista reformista e eleitoral fundado em  1922). Possui também referências históricas nos sindicatos influenciados  pelos anarquistas no início do século XX, como a Federação Operária do  Rio de Janeiro (FORJ), fundada em 1906, em todo o caminho de busca do  “vetor social do anarquismo” das décadas de 40, 50, e nas atividades  pós-ditadura militar. 
Realizada por Jonathan Payn
(Frente Anarquista Comunista Zabalaza – ZACF, África do Sul)
Agosto a outubro de 2010
 Jonathan (Jon): Para os leitores não familiarizados com o conceito de  dualismo organizacional, vocês poderiam explicar por que a necessidade  de construir uma organização política anarquista no Rio de Janeiro? E  que tipo de processo que vocês tiveram que atravessar para chegar a essa  conclusão e para formar a FARJ?
 Federação Anarquista do Rio de Janeiro (FARJ): O termo dualismo  organizacional, como se utiliza em inglês (organizational dualism) serve  para explicar a concepção de organização que defendemos, ou o que  classicamente se chamou da discussão entre “partido e movimento de  massas”. Em suma, nossa tradição especifista, tem suas raízes em  Bakunin, Malatesta, Dielo Truda, Federação Anarquista Uruguaia (FAU) e  outros militantes/organizações que defenderam essa diferenciação entre  os níveis de organização. Ou seja, um nível amplo que chamamos de “nível  social” que é composto pelos movimentos populares e o que chamamos de  “nível político” que é composto dos militantes anarquistas que se  agrupam sob bases políticas e ideológicas definidas. 
 Esse modelo baseia-se em algumas posições: de que os movimentos  populares não podem estar dentro de um campo ideológico definido – e,  nesse aspecto, nos diferenciamos dos anarco-sindicalistas, por exemplo;  que eles devem se organizar em torno das necessidades (terra, teto,  emprego, etc.) agregando amplos setores do povo. Esse é o nível social  ou dos movimentos de massa, conforme se chamou historicamente. O modelo  também sustenta que para o trabalho nos movimentos, não basta estarmos  dissolvidos, ainda que nos reconhecendo como anarquistas, dentro deles. É  necessário que estejamos organizados, constituindo uma força social  significativa que nos facilitará a promoção de nosso programa e também  da defesa dos ataques de adversários que possuem outros programas. No  entanto, deve-se ter em mente que não defendemos que se participe de um  ou outro nível; os anarquistas também são trabalhadores e fazem parte  desse amplo conjunto que chamamos classes exploradas e, portanto, eles  se organizam, enquanto classe, nos movimentos sociais. Ainda assim, como  esse nível de organização possui suas limitações, os anarquistas também  se organizam no nível político, enquanto anarquistas, como forma de  articular suas idéias e trabalhos. 
 A chamada organização específica anarquista não é nenhuma novidade no  movimento anarquista. Suas origens estão na própria militância de  Bakunin no seio da Primeira Internacional com a formação da Aliança da  Democracia Socialista em 1868. Malatesta, desenvolvendo a tese da  minoria ativa de Bakunin, também pensou em algo semelhante. Da mesma  forma os russos exilados do Dielo Truda e a FAU, entre tantos outros.  Este agrupamento específico de revolucionários antiautoritários  baseia-se nas posições sobre os horizontes (objetivos), estratégias e  táticas comuns. Ou seja, a organização específica anarquista não é  nenhuma “invenção” recente, mas possui sua trajetória na consolidação do  próprio anarquismo enquanto uma ferramenta revolucionária, remontando à  atuação de Bakunin. 
 No desenrolar histórico do movimento anarquista, esta posição foi  preterida em diversos países em detrimento de uma posição que dizia que o  “sindicalismo” (que abarcava o conjunto dos movimentos sociais) se  bastava. Para nós não. Acreditamos que o dever da organização específica  anarquista, o que Malatesta chamou de “partido” anarquista, é articular  as forças dos anarquistas em torno de uma proposta em comum e estimular  que os movimentos sociais avancem cada vez mais para além das suas  reivindicações, podendo forjar as bases de uma transformação  revolucionária. 
 É importante frisar que o dualismo organizacional não pressupõe uma  relação de subordinação ou hierarquia entre as duas instâncias  mencionadas. Na compreensão do anarquismo, a organização específica  anarquista e os movimentos sociais são complementares. A relação da  organização específica anarquista pressupõe uma relação ética e  horizontal, que implica não haver relação de hierarquia nem de domínio  sobre as instâncias que esta participa. 
 No Rio de Janeiro, os chamados anarquistas organizacionistas tentaram  fundar organizações específicas anarquistas duas vezes; mas a repressão  adiou seu projeto. Esses companheiros intuíam que o refluxo do  sindicalismo revolucionário poderia também condenar o anarquismo. E foi  exatamente o que ocorreu. O sindicalismo não se “bastou” e com o  esvaziamento do sindicalismo revolucionário, o anarquismo entrou em  crise, já na década de 30. Na década de 40 e 50, os companheiros do Rio  de Janeiro (e também de São Paulo) fundam suas organizações específicas,  mas estão completamente isolados dos movimentos sociais e se organizam  para reverter este quadro. 
 Na década de 60, o golpe militar e as condições do movimento anarquista  postergaram o projeto da organização específica anarquista no Rio de  Janeiro. Com o movimento completamente destroçado pelos anos da  ditadura, as décadas de 80 e 90 foram décadas de aglutinação de novos e  velhos militantes, feita principalmente pelo trabalho incansável e  paciente de Ideal Peres. Era hora não só de retomar velhos debates, mas  também as experiências de luta importantes que os anarquistas  empreenderam, mesmo que não necessariamente agrupados em torno de uma  estratégia comum (ocupações, grupos de educação popular, presença em  sindicatos, etc). 
 No início de 2001, entendemos que era o momento de dar um salto  qualitativo, saindo do modelo de “centros de cultura” em torno dos quais  vínhamos nos organizando desde os anos 1980 e conformar uma organização  política mais adequada para o trabalho com os movimentos. Isso vinha se  tornando cada vez mais evidente; era o caminho que deveríamos seguir.  Tínhamos algumas experiências com trabalho social e com a decisão de que  o anarquismo deveria ter por função impulsionar as lutas populares  tornou-se evidente que deveríamos buscar algo com mais organicidade, com  mais coesão, enfim, um instrumento que permitisse aprofundar o trabalho  da maneira que se mostrava necessária. 
 Foi então que diversos militantes do movimento anarquista no Rio de  Janeiro se reuniram com a intenção de discutir a proposta de fundar uma  organização. Eles já tinham certa experiência na militância social, mas  faltava discutir qual seria o nosso modelo de organização. Um dos grupos  se retirou do processo e resolveu fazer suas próprias discussões  separadamente. Posteriormente fundaram a Federação Anarquista  Insurreição, que depois se chamou UNIPA (União Popular Anarquista). O  grupo que permaneceu e continuou com as discussões constituiu a FARJ em  2003. É importante ressaltar que a FARJ foi conseqüência de um acúmulo  de no mínimo uma década anterior, de presença de anarquistas em diversos  movimentos sociais no estado do Rio de Janeiro. 
 Jon: Como vocês vêem seu papel – o papel da organização específica anarquista em relação aos movimentos sociais?
 FARJ: O papel da organização específica anarquista é atuar como  um catalisador das lutas sociais. Não acreditamos que as organizações  políticas devam guiar as lutas ou dirigi-las, como reza a cartilha do  marxismo-leninismo. A concepção de minoria ativa de Bakunin nos é muito  grata neste sentido. A minoria ativa não impõe, não domina, não  estabelece relações de hierarquia ou de mando dentro dos movimentos  sociais. 
 O papel da organização específica anarquista nos movimentos sociais  também não é de ir a reboque de todas as posições dos movimentos que  integra, mas de difundir e influenciar os movimentos com práticas  libertárias (ação direta, autonomia, autogestão, etc), sem  “doutrinarismos”. 
 Isto implica uma enorme responsabilidade e pressupõe uma relação ética com estes movimentos. Isto também nos conduz ao inevitável papel de contribuirmos com a luta contra qualquer tipo de aparelhamento  dos movimentos sociais, combatendo a burocracia, estimulando a  organização interna do movimento, e trabalhar para que os movimentos  caminhem sempre com suas próprias pernas. 
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